Tenho visto com muita frequência quão importante pode ser o sintoma de negação do codependente. Se eu mesma não tivesse vivido o mesmo sintoma em vários relacionamentos, teria muita dificuldade de acreditar e entender como isso pode acontecer.
A palavra que mais parece se encaixar na minha percepção sobre o tema é impressionante e, ao mesmo tempo, triste quando se trata do nível de autoengano diante do narcisista.
No seu livro Malignant self-love, Sam Vaknin chama tal fenômeno de “otimismo maligno” da vítima. Ele diz que o codependente se recusa a acreditar que algumas situações não têm solução ou que certos desastres são inevitáveis.
Pessoas que convivem com o narcisista podem enxergar um sinal de esperança em qualquer flutuação do comportamento do outro; eles se deixam enganar pela sua pressão interna de que o bem vença o mal, de que a saúde supere a doença, de que a ordem enfim vença a desordem. É como se, na ausência disso, a vida ficasse sem sentido, completamente injusta e arbitrária.
O tipo de pensamento que o codependente tem quando está nessa situação do otimismo maligno é o que chamamos de pensamento mágico. São ideias do tipo:
- Se ele pelo menos tentasse realmente mudar… ou
- Se ele realmente quisesse se curar… ou
- Se pelo menos a gente encontrasse a terapia certa pra ele… ou
- Se pelo menos ele baixasse a guarda… ou
- Deve haver alguma coisa boa e valorosa debaixo dessa fachada medonha… ou
- Ninguém pode ser tão mau e destrutivo… ou
- Certamente ele quis dizer outra coisa… ou
- Deus ou o Poder Superior ou o Espírito Santo é a solução e a resposta às nossas preces.
Gente, eu já tive vários desses pensamentos no passado. Quanta ilusão!!! Nossa! Hoje, nem pensar! Estou vacinada!
O otimismo do tipo “pollyanna” do codependente, que foi abusado pelo narcisista, é uma tentativa de luta contra a crua realidade de que talvez toda a sua dor e sofrimento com essa pessoa foi simplesmente em vão.
Essa ingenuidade do codependente para o narcisista é vista como uma fraqueza, como uma brecha que demonstra a sua enorme vulnerabilidade e o narcisista usa e abusa dessa desta cegueira seletiva em seu benefício.
O codependente se envolve completamente na autoilusão de resgatar ou de salvar o narcisista da sua dor e, mesmo quando enxerga que o comportamento do narcisista é inaceitável e repulsivo, é capaz de pensar: “tudo o que ele precisa é de um amor verdadeiro e ele vai se corrigir. Eu vou resgatá-lo da sua triste história de vida e vou dar o amor que lhe faltou quando ele era criança. Assim, seu narcisismo vai desaparecer e nós seremos felizes para sempre”.
Sabemos que alguns narcisistas são muito carismáticos, charmosos, talentosos e inteligentes. Quando o codependente se aproxima de alguém assim, começa a “sonhar acordado” e a formar uma imagem idealizada daquela pessoa. A partir disso, começa a se relacionar com essa imagem e, após um bom tempo de sofrimento ao lado daquela pessoa, em geral, chega um momento em que não dá mais pra se autoenganar. A ilusão se torna evidente e esse despertar pode ser bastante traumático.
E o que tenho visto é que esse despertar é geralmente gradual e o codependente resiste fortemente a se convencer da realidade de que convive com um narcisista, que o relacionamento é realmente abusivo e que não há solução para isso além da separação.
Eu passei por isso, já contei pra vocês e sei bem como é essa luta interior e quantas frases dizemos pra nós mesmos pra não caminharmos para uma separação.
Eu me lembro de uma paciente que, mesmo depois de ter se separado do narcisista, vez por outra me perguntava: “você tem certeza de que ele é abusivo?”, “você tem certeza de que não tem jeito pra gente conviver bem?”
Ou seja, sua visão às vezes se torna clara e, noutros momentos, fica turva e ela se sente confusa de novo, com uma vontade absurda de acreditar que tudo pode ser diferente de uma próxima vez, se tentar de novo com ele.
Pra mim, parte o coração ver a pessoa lutando com esse otimismo maligno vs a realidade, mas é mais triste vê-la se deixando levar por uma estrada rumo ao precipício. Eu me sinto lisonjeada por ter essa missão de ajudar pessoas a despertarem dessa ilusão cruel, em direção a uma maior chance de serem mais felizes.
Para assistir ao vídeo sobre o tema, clique aqui.
Obs.: Se você desejar copiar este artigo para posterior inclusão em qualquer mídia, pede-se que o mantenha na íntegra e adicione os créditos ao final, ou seja, Dra. Elizabeth Zamerul, médica psiquiatra (CRM-SP: 53.851), psicoterapeuta, especialista em Dependência Química e expert em Dependência Emocional.
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